Literatura


Universo Multifocal
DÉBORA MARINHO
Poeta, jornalista e tradutor, Mario Quintana (1906 – 1994) confessou sua vida em poesia, na leveza das borboletas e dos passarinhos e na reflexão dura do tempo e do espelho. Natural de Alegrete, Rio Grande do Sul, perdeu os pais cedo, não casou-se ou teve filhos e habitou hotéis que o deixavam no limiar entre a sociabilidade e a solidão.
E assim, dessa forma confessional, escrevendo sempre o que vivia, Quintana traz-nos na poesia a palavra que o descreve, através do que Manuel Bandeira denominou quintanares: “Meu Quintana, os teus cantares / Não são, Quintana, cantares: / São, Quintana, quintanares.”
Rejeitado pela Academia Brasileira de Letras por três vezes, evitou uma quarta candidatura, dizendo que não ter sido aceito por três vezes era trágico, mas ao persistir tentando e ainda assim não ser aceito, seria cômico. Explica-nos esse sentimento em seu Poeminho do Contra:
“Todos esses que aí estão
Atravancando meu caminho,
Eles passarão…
Eu passarinho!”
Enche-nos de esperança, na singela linguagem e nos banha com a aridez da inevitável viagem do tempo que nada espera e passa sem que percebamos. E define assim a poesia em Os Poemas:
“Os poemas são pássaros que chegam
não se sabe de onde e pousam
no livro que lês.
Quando fechas o livro, eles alçam voo
como de um alçapão.
Eles não têm pouso
nem porto
alimentam-se um instante em cada par de mãos
e partem. E olhas, então, essas tuas mãos vazias,
no maravilhado espanto de saberes
que o alimento deles já estava em ti…”
Mario Quintana enxergou o mundo com simplicidade cotidiana e um lirismo infantil, que permitiu uma brilhante visão do que aqui está; do que vivemos a cada dia, sem a necessidade de grandes elaborações. Deixo aqui meu presente ao anjo gaúcho.
Capítulo 59
Textos e desejo
Manhã começando
Filhas dormindo
Gato ronronando.
Na mesa da sala
Infinito trabalho
Chuva na janela
Cão no assoalho.
Pausa na viagem
Nos livros presente
Sono inebriante
Paz entorpecente.