Educação sexual

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Nasceu mulher, mas quando cresceu "virou" homem?
CRISTIANNE MAGALHÃES
Sim, essa é a vida das pessoas que nascem com um sexo biológico, mas na sua compreensão, pertencem ao outro sexo. Como a famosa Roberta Close, talvez a mais famosa transexual brasileira. Nasceu homem. Cresceu, fez a cirurgia de redesignação de sexo para mulher.
A princípio, tudo isso pode parecer muito estranho, confuso, etc. Às vezes, ouvimos algo como: isso é falta de vergonha, é nojento, é uma aberração, e tantas outras. Mas é real, é doloroso, é uma questão existencial.
Como este assunto é muito raro e temos dificuldade em imaginar que uma menina não goste de meninos e que um menino não goste de meninas – relações heterossexuais – fica mais difícil imaginar uma menina dizer pra mãe: “Mamãe, faz só um shorts e um pijama. Não gosto de vestido!”, como disse João Nery quando criança.
Em seu livro “Viagem solitária” João, que nasceu Joana, conta boa parte da sua vida e podemos compreender seu drama: era ridicularizado na pracinha perto de casa, chamado de “Maria-homem”, não tinha grupos no colégio, em casa não era compreendido. Quando sua mãe e seu pai falavam “minha filha”, ele mentalmente os corrigia “meu filho”.
“Todos me viam como uma menina. Pra mim, era um menino.” Esta frase diz tudo. Tinha que vestir e fazer tudo como se fosse menina, mas tudo era uma grande violência com a sua auto-imagem. Pediu de presente de Natal uma roupa de mocinho, toda cheia de franjas e duas cartucheiras. Ao invés disso ganhou uma camisola feita com todo amor pela mãe. “Era seu jeito de demonstrar amor por nós, o que me provocava conflitos terríveis, pois me via obrigado a entendê-la e, para não magoá-la, usar algo que detestava.” Num aniversário, na hora de apagar as velas, seu pedido foi: “quero ser um menino como os outros.”
E na adolescência, quando os peitos começaram a crescer, começou a menstruar e chegaram todas as mudanças que os hormônios trazem? “A infância era uma espécie de álibi. Não tinha sexo!” “Merda! – bem alto, com toda força dos meus pulmões. Olhei-me nu no espelho do quarto... E tudo, absolutamente tudo, estava fora do lugar. O que sobrava em cima faltava embaixo e vice-versa. Minha alma não se conformava de ter de se expressar por meio daquele monte de carne, sobre o qual não podia decidir nada... Não sou isto! Esmurrei a parede até não aguentar a dor.” “Passei a tarde pensando. Vislumbrei duas saídas: acabar comigo ou lutar contra o impossível. Não queria morrer... tinha de arranjar urgentemente algo que me elevasse o moral e me fortalecesse para poder seguir em frente.” Praticar esportes para tornar seu físico mais musculoso. “Apesar de ridicularizarem o meu jeito, acabei sendo respeitado pela seriedade, pela dedicação e pelo destemor.”
Tomar hormônios masculinos por longo tempo, se submeter a diversas sessões de psicoterapia para ser avaliado e receber um laudo que permitisse a realização de algumas das cirurgias de redesignação de sexo (tudo clandestinamente, pois esta cirurgia não era permitida no Brasil naquela época, 1977), passar por algumas cirurgias – retirada dos órgãos reprodutores e retirada das mamas, incluindo todos os períodos de recuperação que cada cirurgia exige –, conseguir um novo documento de identidade oficial, fazem parte de um longo, penoso e profundo processo de confirmação da própria identidade a partir do próprio corpo.
Imagine não se sentir a vontade para ir à praia, pois seu corpo não corresponde aos padrões de beleza sociais para mulher, ou para homem. É ruim. Pior, muito pior, acontece com a pessoa transexual, cujo corpo não corresponde à sua identidade de gênero e não basta fazer dieta e exercícios físicos para alcançar seu objetivo.
A transexualidade nos permite refletir sobre o quanto precisamos ouvir nosso interior, enxergar à nossa essência, para viver mais momentos de felicidade e realização. Agradeçamos por saber e encontrar o que alimenta nossa alma, nosso corpo e nossa mente.
Um abraço carinhoso,
Cristianne Magalhães
mora no bairro é Educadora Sexual,
com Pós-graduação em Sexualidade Humana